28 setembro, 2016

Vale a pena ler... Mario Vargas Llosa

(…)
Penso que foi em Madrid, em 1958, quando estava a fazer o doutoramento (sobre o poeta Rubén Dario) e a escrever o primeiro romance, “A Cidade e os Cães”, que tomei a decisão de estruturar a minha vida de maneira a poder dedicar-me à escrita. Foi nesse momento que decidi consagrar a maior parte do meu tempo e da minha energia a escrever. Porque essa é a única forma de ser-se um escritor e não a caricatura de um escritor.
Portanto, acredita no trabalho.
Por uma razão muito simples: porque eu não tenho facilidade para escrever, preciso de trabalhar muito para poder acabar um livro. Há escritores que se sentam e para eles tudo flui. Não é o meu caso. Eu tenho que refazer, penar, reescrever. Por isso, preciso de uma grande disciplina.
(…)
Ouvindo-o falar, percebe-se que Mario Vargas-Llosa, apesar de ter escrito uma trintena de livros, não é nem nunca foi um homem fechado na sua obra, na sua literatura. É importante para si participar do mundo, pensá-lo?
Sim, claro. A literatura vem da vida, do que nos marca, do que a memória audazmente seleciona. Tudo é matéria-prima. No imaginário popular o Nobel significa o fim de um escritor. Um fim glorioso, mas um fim. Pensa-se que depois disso não há nada, que o escritor está morto. Eu tentei combater isto desde o princípio, não parando de escrever, de viajar, de pensar a realidade. Não me tornando na estátua em que o Nobel por vezes transforma os escritores.”

Excerto da entrevista concedida a Luciana Leiderfarb, publicada na “E”, revista do jornal Expresso de 24 Setembro 2016
Vale a pena ler na íntegra.

(Foto da net)

27 setembro, 2016

Vale a pena ler... Arturo Pérez-Reverte


Por que razão um homem que viajou por todo o mundo como repórter prefere, como temas dos seus romances, a História à actualidade?
A História permite-nos compreender melhor o presente. O novo não é mais do que o passado que já esquecemos. Tudo já aconteceu. Quem não leu a Guerra de Tróia não compreende Sarajevo, quem não leu Xenofonte não compreende a guerra dos mercenários em Angola, em 1978. Sem História somo órfãos e incapazes de compreender. Por isso uso nos meus romances a História como mecanismo de compreensão, como chave para o presente.
(…)
Acha que essa vida aventurosa, como a de uma personagem dos seus próprios romances, contribui para o êxito? Ao fazer com que o leitor se projecte no escritor como alguém que tem uma vida apaixonante?
A minha vida não é apaixonante por ser escritor. O que torna uma vida apaixonante são as viagens que fizemos, as aventuras que vivemos. Os livros são apenas um resultado disso.
Mas a literatura está em crise…
Eu não estou em crise.
Qual é a sua explicação para isso?
Às vezes pego num livro e penso: este tipo, para que escreve ele? A quem importa saber que ele se levantou de manhã, que tem uma vida triste, que a mulher o deixou, que o seu filho é drogado, que se sente asfixiado pela vida. Para isso, não vale a pena ler. Basta olhar em volta. O que eu quero é que me contem histórias interessantes, que me façam reflectir, pensar, sonhar. Que mudem a minha vida. Se quando terminar a leitura de um livro a minha vida não tiver mudado para melhor, ou é um mau livro ou eu sou um mau leitor. Um livro que não muda o olhar do leitor é uma merda de livro. E o mundo está cheio de merda de livros que não mudam nada. São apenas fruto da vaidade onanista de autores que não têm nada para dizer.
(…)
A literatura é para todos?
Sim.
Mas a maioria não lê.
Não lê porque não sabem como é bom ler. Porque não se educa para a leitura. Os planos de estudos são feitos por gente que não lê e que não sabe o que dar às crianças para ler. Mas quando uma pessoa encontra algo de que gosta…
(…)

Excerto da entrevista concedida a Paulo Guerra, publicada no jornal Público de 21 Setembro 2016.
Vale a pena ler na íntegra.

(Foto da net)

25 setembro, 2016

"Cisnes selvagens" - Jung Chang


“Jian-xin-bi-xin” – Imagina que o meu coração é o teu coração!
Confúcio

“Cisnes selvagens” é o chamado “dois em um”: fascinante romance autobiográfico e precioso documento histórico.
Isto, porque cruza
- a história verdadeira de três mulheres, da mesma família, marcadas pelas dramáticas mudanças políticas, sociais e culturais dum tempo em que na China cada dia era uma batalha só para sobreviver; 
- com a história tumultuosa da China do século XX - o derrube do Império Manchu e formação da república dos senhores da guerra (1911); a invasão da Manchúria pelo Japão (1931); a ocupação japonesa (1938-45); a proclamação da República Popular (1949); a Reforma Agrária (1950); a Revolução Cultural (1966), a violenta ditadura de Mao,  que perseguiu, escravizou e desrespeitou três gerações de chineses.
As mulheres, poderosas, lutadoras, corajosas, são a própria Jung Chang (n. 1952), a mãe (n. 1931) e a avó materna (n. 1909).
Nada falta nesta revelação de Jang Chang. Nem uma  árvore genealógica, uma cronologia da história da família e do país; nem fotografias íntimas e públicas, legendadas e datadas.
A sinopse perfeita e exacta, cativa-nos e de imediato queremos ler o livro.
Foi o que aconteceu comigo e o que acontecerá consigo. Tenho a certeza.
“Quando a avó de Jung Chang nasceu, em 1909, a China era uma sociedade feudal. Os seus pés foram ligados, como era hábito nesse tempo e, aos quinze anos, foi dada a um general como concubina. Durante anos viveu virtualmente prisioneira de criadas que a espiavam e do «marido» quase sempre ausente até que, em 1932, o general morreu e ela regressou à casa familiar com a filha ainda criança.
Essa filha cresceu na Manchúria sob ocupação japonesa e russa. Quando a guerra civil eclodiu entre os comunista e o Kuomintang de Chang Kai-Check, tornou-se uma activista no movimento clandestino, arriscando a vida para fazer passar informações através dos postos de controlo nacionalistas para os comunistas que sitiavam a sua cidade. Foi presa e posta perante um pelotão de fuzilamento e viu cair morto o homem que estava ao eu lado. Depois de libertada apaixonou-se por um jovem guerrilheiro que partilhava o seu entusiasmo pela causa comunista. Com o triunfo de Mao, tornaram-se altos funcionários, ajudando a lançar uma revolução social como o Mundo nunca vira.
Jung Chang, sua filha, passou a infância nos círculos privilegiados da elite comunista chinesa. Após um breve período nos Guardas Vermelhos, a selvajaria e o poder destruidor da Revolução Cultural levaram-na a questionar o próprio Mao, uma atitude inimaginável num país dominado pelo terror e completamente fechado a qualquer informação sobre o mundo exterior. Os pais de Jung Chang foram denunciados, presos e mandados para campos de trabalho distantes. O pai foi progressivamente levado à loucura e à morte. Ela própria, ainda adolescente, foi exilada para o coração dos Himalaias e trabalhou como camponesa e «médica dos pés descalços».”
Em 1978 Jung Chang consegue uma bolsa para estudar na Grã-Bretanha. Fizeram-se festas para celebrar, e derramaram-se muitas lágrimas de alegria. Ir para o Ocidente era uma coisa enorme. A China mantivera-se fechada durante decénios, e as pessoas sentiam-se sufocadas pela falta de ar. Fui eu a primeira da minha universidade e, tanto quanto sei, a primeira de Schuan (que tinha na altura uma população de cerca de noventa milhões) a receber autorização para estudar no Ocidente, desde 1949.

“Cisnes selvagens”  desvenda um período trágico da História da China.
É um livro longo, duro e amargo, mas empolgante e cativante.
Difícil de contar, é obrigatório ler.
Eu comprei-o  em 1995, emprestei-o, perdi-o, recuperei-o, li-o agora, compulsivamente.
É apaixonante!

Cisnes selvagens, de Jung Chang
Tradução de Mário Dias Correia
Quetzal Ed., 1995
517 págs.

16 setembro, 2016

"Florbela Espanca" - Agustina Bessa-Luís


O amor é em Florbela um delírio de discordância.
“A biografia de Florbela Espanca oferece muitas dificuldades de análise, pois se trata de uma mulher, e a mulher é como a Fortuna: enquanto existe, é bendita, quando desaparece, dela se diz todo o mal.”
Biografia, estudo psicológico ou reconstituição de percurso de vida, chamem o que quiserem a este livro de Agustina que eu continuarei a aplaudir a considerável pesquisa que está por trás do retrato competente que ela fez de Florbela Espanca (1894-1930).
Qualifiquem-no de bom, medíocre ou péssimo, que eu continuarei a enaltecer o conteúdo e a leitura fácil (tendo em conta a rebuscada escrita de Agustina), agradável e muito proveitosa.
De Florbela eu conhecia apenas alguns poemas da sua extensa, bela, triste, ternurenta, e um tanto ou quanto erótica, obra. Agora, conheci a mulher brilhante, talentosa e ousada para a época.  A mulher
 de personalidade contraditória, insubmissa, depressiva, sensível, narcisista, frágil, filha de pai arredio, privada do contacto com a mãe, criada por madrastas, que ousava afirmar: “não há ninguém que de mim se tenha aproximado que me não tenha feito mal”.
Toda a vida de Florbela é uma permanente reivindicação. Nada lhe basta, nada a satisfaz, porque há uma carência anterior
Três casamentos, alguns amantes, uma "estranha relação" com Apeles, o irmão. “Lembra-te que és preciso ao meu coração, que tomou o doce hábito de te conservar um cantinho privilegiado onde mais ninguém entra.”, dizia-lhe ela.  
Em Junho de 1927, a morte (suicídio?) do irmão acentuou o seu estado depressivo “Morreu. Parece que morreu tudo, que ele não deixou cá ficar nada, parece que levou tudo… Eu choro o meu maior amor, o meu orgulho, metade da minha alma.”  Então, dominada pela amargura, ela foge de tudo e de todos.
Em Dezembro de 1930, na véspera do seu aniversário, Florbela escolhe a morte para sua derradeira fuga.
"No Mundo, passo por todos, vendo alguns; na vida esqueço-me de quase todos, esquecendo-me de mim. Quase tudo me é indiferente."

Li, gostei, aconselho vivamente. 
Desvendei pouco, para que seja muito o arrebatamento de quem decidir "ver" Florbela Espanca tratada por Agustina Bessa-Luís  "com singular afecto e consideração. Afecto poético, consideração humana”.

A MINHA DOR
(A Você)

A minha Dor é um convento ideal
Cheia de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal…
E todos têm sons de funeral,
Ao bater horas, no correr dos dias…

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
E ninguém ouve, ninguém ouve, ninguém…

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve… ninguém vê… ninguém…

(Livro de Mágoas)

Florbela Espanca, de Agustina Bessa-Luís
Guimarães Ed., 1976
221 págs.

09 setembro, 2016

O efeito do amor...


“Alma explicava a Lenny que aos setenta e oito anos renunciara ao papel de matriarca dos Belasco, cansada de fazer a vontade às pessoas e de agir de acordo com as normas, como sempre fizera desde pequena. Estava há três anos na Lark House e cada vez gostava mais de lá estar.

- Podias ter escolhido melhor do que isto, Alma.
- Não preciso de mais. A única coisa que me faz falta é uma lareira no inverno. Gosto de olhar para o fogo, parece a ondulação do mar.
- Conheço uma viúva que passou os últimos seis anos em cruzeiros. Assim que o barco atraca na sua última escala a família dá-lhe um bilhete para outra volta ao mundo.
- Como é que o meu filho e a minha nora não se lembraram dessa ideia? – riu-se ela.
- Tem a vantagem de que, se alguém morrer no alto-mar o capitão deita o cadáver pela borda fora e a família não tem despesas com o enterro – acrescentou Lenny.
- Aqui estou bem Lenny. Estou a descobrir quem sou despojada dos meus atavios e amarras; é um processo bastante lento, mas muito útil. Toda a gente deveria fazer isto no fim da vida (…). Estou a preparar-me para morrer.
- Ainda te falta muito para isso, Alma. Estás fantástica.
- Obrigada. Deve ser o efeito do amor.”

Tirei daqui: “O amante japonês”, de Isabel Allende, Porto Editora, 2015
Foto da net.

06 setembro, 2016

18º - Excertos do "Livro do desassossego", de Fernando Pessoa


194-(1929?)
“Pedi tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou.”

201-(1929?)
“O que há de mais reles nos sonhos é que todos os têm.”

212-(1929?)
“A tragédia principal da minha vida é, como todas as tragédias, uma ironia do Destino. Repugno a vida real como uma condenação; repugno o sonho como uma libertação ignóbil. Mas vivo o mais sórdido e o mais quotidiano da vida real; e vivo o mais intenso e o mais constante do sonho. Sou como um escravo que se embebeda à sesta – duas misérias num só corpo.”

Leia (tudo) e… deslumbre-se!


02 setembro, 2016

"O amante japonês" - Isabel Allende

Depende de nós que o amor seja eterno…
Sinopse:
Em 1939, quando a Polónia capitula sob o jugo dos nazis, os pais da jovem Alma Belasco enviam-na para casa dos tios, uma opulenta mansão em São Francisco. Aí, Alma conhece Ichimei Fukuda, o filho do jardineiro japonês da casa. Entre os dois brota um romance ingénuo, mas os jovens amantes são forçados a separar-se quando, na sequência do ataque a Pear Harbor, Ichimei e a família – como milhares de outros nipo-americanos – são declarados inimigos e enviados para campos de internamento. Alma e Ichimei voltarão a encontrar-se ao longo dos anos, mas o seu amor permanece condenado aos olhos do mundo.
Apenas nos encontramos para amar... uma relação clandestina tem de ser cuidada, é delicada e preciosa.
Minhas senhoras e meus senhores, Isabel Allende regressou “em grande” com o relato convincente e viciante do amor secreto e duradouro de Alma Belasco e Ichimei Fukuda.
O amante japonês” - que tem tudo para empolgar e prender da primeira à última página: uma escrita simples e cristalina, grandes e credíveis personagens, paixões, amores, amizades, encontros clandestinos, flores, cartas, desenhos, segredos, descobertas, velhice, solidão, etc., etc. - é para ser lido e não contado, mas não resisto a desvendar um excerto da conversa de Alma com o amigo Lenny, no excêntrico lar de idosos onde ambos vivem. Lar onde todas as semanas um mensageiro deixa uma caixa com três gardénias. Para Alma.
"- Porque casaste com Nathaniel?
- Porque ele quis proteger-me e nesse momento eu precisava da sua proteção. Lembra-te que ele era uma alma nobre. Nat ajudou-me a aceitar o facto de que existem razões mais poderosas do que a minha vontade, razões mesmo mais poderosas do que o amor.
- Gostava de conhecer Ichimei, Alma. Avisa-me quando ele vier visitar-te.
- O nosso amor ainda é secreto…
- Porquê? A tua família não ia compreender?
- Não é por causa dos Belascos, mas por causa da família de Ichimei. Por respeito à mulher dele, aos filhos e aos netos."
Que grande protagonista é Alma …aos oito anos apaixonara-se por Ichimei com a intensidade dos amores da infância e de Nathaniel com o amor sereno da velhice. No coração dela ambos ocupavam funções diferentes e igualmente indispensáveis, tinha a certeza de que sem Ichimei e sem Nathaniel não conseguiria sobreviver.
E mais não digo.
Gostei do final deste romance. Gostei, a sério!
Saiba porquê, lendo-o… na hora mais escura da noite, a hora misteriosa do tempo impreciso, quando o véu entre este mundo e o dos espíritos costuma desvanecer-se.
Este reencontro com Isabel Allende não me desiludiu.

O amante japonês, de Isabel Allende
Tradução de Ângela Barroqueiro
Porto Editora, 2015
335 págs.