Quando admiramos um escritor, tornamo-nos curiosos. Vamos à procura do seu segredo.
“Era a última hora de luz de uma tarde de dezembro, há mais de vinte anos – eu tinha vinte e três anos, estava a escrever e a publicar os meus primeiros contos e, tal como tantos heróis do Bildungsroman antes de mim, já pensava no meu próprio e volumoso Bildungsroman – quando cheguei ao refúgio do grande homem que ia visitar…”
Começa assim este excelente romance sobre as tensões entre a literatura e a vida.
O narrador é Nathan Zuckerman, problemático e ambicioso ficcionista judeu, alter-ego do ficcionista judeu e genial contador de histórias Philip Roth (n.1933) em nove hilariantes romances. “O escritor fantasma" (1979) marca o aparecimento de Zuckerman, “O fantasma sai de cena “(2007) o seu desaparecimento.
“O grande homem “é Emanuel Isidore Lonoff, consagrado contista, ídolo e mestre literário de Zuckerman desde os tempos da faculdade. O grande Lonoff, filho de judeus, que no auge da carreira literária, desiludido com as acusações dos judeus de New York personalidades intelectuais aterradoras, troca a civilização pelo isolamento na montanha. Em Dezembro de 1956, trinta anos depois dessa fuga nunca explicada, o “ermita rural” convida o escritor desconhecido (que lhe fez chegar quatro contos publicados em revistas literárias) para um serão na sua casa.
Pureza. Serenidade. Simplicidade. Reclusão. Toda a concentração, exuberância e originalidade de uma pessoa reservada para a vocação transcendente, extenuante, sublime. Olhei em volta e pensei: é assim que quero viver.
Depois de olhar melhor, Zuckerman encontra um homem envelhecido, austero, entediado, autocrítico, desencantado, conformado a uma existência onde nada acontece: Dou voltas às frases. A minha vida é isso. Escrevo uma frase e dou-lhe uma volta. Depois olho para ela e dou-lhe mais uma volta. Depois vou almoçar. Depois volto e escrevo mais uma frase. Depois leio e releio as duas frases e dou-lhes uma volta. Depois deito-me no sofá a pensar. Depois levanto-me e atiro-as fora e volto ao princípio. E, se descanso desta rotina durante um dia que seja, fico louco de tédio e a achar que foi um desperdício….
Zuckerman não se decepciona. Ainda espantado com o convite, tímido, ansioso, curioso, desejoso de tudo ver, tudo saber sobre o mestre, desejoso do seu reconhecimento, patrocínio moral e protecção mágica de apoio e amor, quer aprender com ele a escrever contos, contos sobre judeus, que evitem problemas com os judeus de Newark e com o seu pai podólogo e não artista, que tenta demovê-lo de publicar um conto que tem por base uma disputa familiar antiga que, segundo ele, expõe ao ridículo membros da família e será visto apenas como mais um conto sobre os malditos judeus e o seu amor ao dinheiro.
Na noite que passa em casa do mestre e da senhora Hope Lonoff, Zuckerman conhece Amy Bellette, uma jovem fascinante de nacionalidade indefinida, antiga pupila de Lonoff (ou amante com metade da sua idade?), com uma vida de ilusão que a consome e um passado que a marcou na alma: sabes porque é que adotei este nome tão doce? Não foi para me proteger das minhas memórias. Não foi para esconder o passado de mim nem para me esconder do passado. Foi para me esconder do ódio, de odiar as pessoas como as pessoas odeiam as aranhas e os ratos.
(Amy Bellete volta a aparecer no romance “O fantasma sai de cena”).
Escusado será dizer que pouco devo/posso desvendar sobre o casal Lonoff, sobre o conto de Zuckerman, sobre o passado de Amy. Leia, divirta-se, espante-se com a imaginação e a escrita do meu escritor preferido. (Está velhinho o «meu» Philip Roth!)
Ponto final, parágrafo.
O escritor fantasma, de Philip Roth,
Tradução de Francisco Agarez
Ed. D. Quixote, 2017
188 págs.